Importância da preparação física
A preparação física é fundamental para a melhora de desempenho e prevenção de dores e lesões esportivas. Lesões por sobrecarga e esforços repetitivos são, na maior parte das vezes, relacionados a alguma deficiência da função musculoesquelética. Mesmo lesões traumáticas, como o rompimento do Ligamento Cruzado Anterior, podem ser drasticamente reduzidas a partir de treinamentos específicos.
A importância dos exercícios para a promoção da saúde é também amplamente reconhecida, já que o sedentarismo está relacionado a algumas das doenças mais prevalentes na população idosa, como a pressão alta, diabetes, obesidade, osteoporose, artrose e mesmo alguns tipos de câncer.
Infelizmente, para um assunto de tamanha importância, existe muito desconhecimento entre os profissionais e as orientações costumam ser bastante superficiais.
Muitos pacientes saem do consultório médico com receitas de medicamentos, indicando o nome da medicação, a dose, a frequência com que ela deve ser utilizada e por quanto tempo isso deverá ser feito. Raramente saem com uma receita dizendo qual atividade física praticar, em qual intensidade, com que frequência e por quanto tempo.
Como deve ser o treinamento físico
As ações que realizamos no dia a dia (como subir escadas, levantar-se da cadeira, guardar um objeto) ou na prática esportiva (como saltos, arremessos, agachamentos ou corrida) consistem em uma complexa sequência de movimentos realizados nas diversas articulações do corpo. Desta forma, tanto o movimento articular em sí como a coordenação entre os movimentos realizados em cada articulação precisam ser treinados com o objetivo de prevenção e tratamento de lesões por sobrecarga articular.
Movimento articular
A qualidade do movimento nas articulações depende, basicamente, de cinco fatores:
- Mobilidade: Capacidade da articulação de realizar o movimento. Para isso é importante que se tenha uma boa flexibilidade, mas há outros fatores que também devem ser considerados, como dores ou problemas em outras articulações que possam interferir na função da musculatura dolorida. O treino de flexibilidade pode envolver exercícios de alongamento, liberações miofasciais ou exercícios específicos para mobilidade.
- Estabilidade: Capacidade de controlar o movimento. Para isso, os músculos estabilizadores devem atuar de forma antecipatória, evitando que um movimento indesejado aconteça. Ao se flexionar o quadril, por exemplo, existe uma tendência de a coluna lombar ser flexionada junto. Isso será evitado pela musculatura estabilizadora da coluna.
- Força: Capacidade de vencer uma resistência externa e produzir movimento. Ao subir uma escada, a musculatura do joelho precisa produzir força suficiente para levantar o peso do corpo de um degrau ao outro; na musculação, precisa produzir a força necessária para vencer o peso dos aparelhos.
- Potência: Capacidade de realizar um movimento rapidamente. Na prática esportiva, saques, arremessos e chutes são ações que envolvem potência muscular; atividades do dia a dia, como levantar-se de uma cadeira, também envolvem velocidade de movimento.
Muitos pacientes são orientados de que suas dores estão relacionadas a fraquezas musculares, e que o tratamento deve envolver, basicamente, o fortalecimento. Os outros componentes do movimento, principalmente a mobilidade e a estabilidade, são muitas vezes ignorados, e neste caso o treino de força pode ter o efeito oposto ao desejado.
Estas habilidades devem ser treinadas de forma sequencial e lógica:
- Antes de se adicionar resistência (força) em um movimento, é preciso que o movimento em sí esteja sendo realizado com eficiência. Assim, treinos para ganho de mobilidade e estabilidade devem anteceder o treino de força.
- Antes de realizar um movimento com velocidade, é preciso que o movimento em sí esteja adequado, de forma que mobilidade, estabilidade e força precisam ser obtidos antes de se treinar potência.
- A repetição só deve ser treinada quando o movimento, feito de forma isolada, estiver adequado. Assim, mobilidade, estabilidade e força precisam ser treinados antes da resistência.
Cada movimento tem uma exigência específica de mobilidade, estabilidade, força, potência e resistência. Assim, estes critérios não devem ser vistos de forma isolada, mas sim de acordo com a atividade exercida pelo paciente. Um bailarino, por exemplo, precisa de uma mobilidade no quadril maior do que um jogador de futebol, e um levantador de peso olímpico precisa de mais força global do que o bailarino.
Função articular
A função de uma articulação depende, basicamente, da coordenação entre os movimentos realizados em cada articulação. O trabalho conjunto das articulações é que permitirá às pessoas realizarem atividades como corrida, saltos ou arremessos. Para que todas as articulações consigam funcionar de forma harmônica e produzir um gesto esportivo eficiente, antes é preciso que cada uma das articulações seja capaz de funcionar adequadamente de forma isolada.
Assim, não adianta fazer os ditos “exercícios funcionais”, que envolvem movimentos de múltiplas articulações, sem que cada articulação tenha sido devidamente treinada previamente.
Avaliação de movimento
Todos os componentes que contribuem para o movimento das articulações, bem como a função de cada articulação, devem ser adequadamente avaliados antes de se prescrever um trabalho para recuperação ou prevenção de lesões. Este trabalho deve, idealmente, ser realizado de forma individualizada e de acordo com as necessidades individuais de cada pessoa.
Tipos de exercícios
Exercícios uniarticulares ou multiarticulares
Exercícios uniarticulares são aqueles direcionados para um único grupo muscular. São indicados para a correção do movimento de cada articulação isoladamente, com a correção de deficiências e desequilíbrios musculares específicos.
Exercício Uniarticular
Exercício Multiarticular
Exercícios multiarticulares, muitas vezes denominados de funcionais, trabalham múltiplas articulações de forma simultânea e são eficientes em melhorar a coordenação dos movimentos entre as diversas articulações. Desta forma, permitem um treino bastante completo com poucos exercícios feitos em um treino de curta duração.
Para que sejam eficientes, porém, antes é preciso que o movimento de cada articulação isoladamente também seja eficiente, para evitar compensações. Para isso, pode ser necessário lançar mão de alguns exercícios uniarticulares. São indicados, portanto, para pessoas com algum grau de condicionamento físico e consciência corporal prévia.
Exercícios unilaterais ou bilaterais
Ao se realizar uma cadeira extensora ou flexora, por exemplo, os movimentos podem ser feitos com uma perna de cada vez ou com as duas pernas ao mesmo tempo. Se, por um lado, os exercícios com as duas pernas simultaneamente economizam tempo, por outro podem acentuar eventuais desequilíbrios musculares, uma vez que a tendência é de usar mais a perna forte e poupar a fraca.
Exercícios unilaterais são capazes de corrigirem estes desequilíbrios: Deve-se iniciar pelo lado mais fraco, contando quantas repetições conseguiu realizar com ele. No lado mais forte, executa-se o mesmo número de repetições, mesmo que possuindo força para mais.
Nos membros superiores, o uso de halteres, ao invés de barras, ajudará a corrigir eventuais desequilíbrios. Com os halteres, a força será dividida de forma proporcional entre os braços, exigindo mais do lado mais fraco. Já no caso dos exercícios com barras, o lado dominante pode atuar com mais força, compensando a deficiência do outro braço e acentuando ainda mais a deficiência.
Modalidades de treinamento
Diversas modalidades de treinamento foram desenvolvidas com o objetivo de melhorar o movimento e a função articular, sendo que cada uma destas modalidades tem uma exigência específica e trabalha habilidades específicas, de forma que a escolha deve considerar não apenas o desejo e gostos pessoais mas, também, as necessidades individuais observadas através de uma avaliação sistematizada.
Muitas pessoas associam o treinamento físico e de fortalecimento com a musculação, mas existem diversos outros métodos ou modalidades que podem ser praticados com esta finalidade, entre elas:
- Musculação
- Hidroginástica
- RPG
- Ioga
- Pilates
- Exercícios funcionais
- Levantamento de peso Olímpico (LPO)
- CrossFit
Preparadores físicos e personal trainers idealmente devem ter conhecimento amplo de todas estas modalidades, uma vez que técnicas de uma ou outra modalidade podem ser utilizadas pontualmente de acordo com as necessidades individuais de cada pessoa.
A preparação física pode, também, estar “disfarçada” dentro do treinamento específico de uma modalidade esportiva. Muitos exercícios realizados pelas equipes de futebol dentro de campo são, de fato, orientados por um preparador físico com foco mais no físico e menos na técnica ou tática do futebol.
Treinamento físico na recuperação de lesões
As lesões por sobrecarga e esforços repetitivos estão, geralmente, relacionadas a problemas no movimento das articulações, tanto na articulação dolorida como nas articulações adjacentes.
O corpo tem uma alternância de articulações com função primaria de estabilidade (joelho, coluna lombar) e articulações com função primária de flexibilidade (tornozelo, quadril). Quando uma articulação perde mobilidade, a articulação estável acima ou abaixo é forçada a se mover com compensação, tornando-se menos estável e potencialmente dolorosa.
Quando um paciente apresenta algum problema que limite a mobilidade do quadril, por exemplo, o movimento é transferindo para a coluna, uma região primariamente estabilizadora, gerando sobrecarga e lesões.
Fisioterapia ou treinamento físico
Em teoria, a fisioterapia tem a função de reabilitar um paciente a fazer uma atividade, enquanto que a preparação física tem a função de habilitar. Ainda assim, são áreas que muitas vezes se misturam e lançam mão dos mesmos recursos. Como regra geral, a fisioterapia vai atuar na fase inicial do tratamento, com foco principal na analgesia (melhora da dor), cicatrização tecidual e recuperação da mobilidade e estabilidade para a realização de movimentos básicos. Atua também com foco na desinibição e recuperação da função muscular.
A preparação física e as diversas modalidades de treinamento devem ser priorizadas no momento em que o paciente estiver sem dor para realizar suas atividades, de forma a melhorar o desempenho tanto no exporte como nas atividades do dia a dia.