Medicações anti-inflamatórias no esporte

Médico ortopedista especialista em joelho e médico do esporte

Os anti-inflamatórios estão entre as medicações mais utilizadas no mundo e são facilmente compradas sem receita médica na maior parte dos países. O abuso destas medicações é comum, principalmente no meio esportivo. Este abuso se justifica pela compreensão popular de que a inflamação é algo ruim e não desejável.

Tentaremos mostrar aqui que este conceito, na maior parte das ocasiões, está errado. A inflamação tem um papel fundamental para o atleta.

O abuso dos anti-inflamatórios, além de provocar os diversos efeitos colaterais amplamente conhecidos destas medicações, incluindo problemas gastrointestinais, renais e cardiovasculares, no atleta poderá levar a uma pior recuperação pós-treino e, em última análise, a piora no desempenho e maior risco de lesões.

Discutiremos, também, algumas situações nas quais os anti-inflamatórios devam ser indicados para o atleta e os critérios para guiar a escolha de qual anti-inflamatório utilizar.

Qual a importância da inflamação para o atleta?

Ao realizarmos uma atividade física, o exercício provoca micro lesões na musculatura. Estas lesões desencadeiam uma resposta inflamatória local, fundamental para que a musculatura se recupere. Este processo de lesão e recuperação é que faz com que o músculo fique gradativamente maior e mais forte.

Se, por um lado, a ausência do processo inflamatório impede que a musculatura se recupere adequadamente após um treino, quando em excesso ela pode provocar um dano secundário às células, em função da produção de radicais livres.

Infelizmente, os limites entre a inflamação considerada normal e esperada e aquela que se torna prejudicial não estão claramente determinados pela ciência.

Qual o papel dos Anti-inflamatórios no esporte?

As medicações anti-inflamatórias são largamente utilizadas por atletas, com a ideia de que elas ajudariam na melhora da dor e da inflamação e, assim, ajudariam na recuperação após um treino.

Estudo realizado durante o Ironman de Florianópolis em 2008 (https://bjsm.bmj.com/content/45/2/85.abstract) mostrou que mais da metade dos atletas fizeram uso destas medicações para competir, sendo que 15% fizeram isso no dia anterior à prova, 11% imediatamente antes e 28% durante a competição.

Ao contrário da crença popular, estas medicações não são capazes de prover qualquer benefício em termos de sensação de bem estar, ou de desempenho esportivo para o atleta que apresenta dor e inflamação dentro dos padrões habitualmente esperados com a atividade física.

Treinar além da capacidade física (gerando maior nível de inflamação) e depois tomar os anti-inflamatórios levará, por um lado, a uma maior destruição celular e, por outro, a um retardo na recuperação.

Quando usados de forma regular, os anti-inflamatórios limitam os ganhos potenciais que são esperados com o exercício e, em última análise, são prejudiciais em termos de desempenho. Por prejudicarem a recuperação pós-treino, podem estar associados à ocorrência de lesões.

Quando o atleta deve usar anti-inflamatórios?

Existem situações específicas em que o atleta pode e deve usar os anti-inflamatórios, mas sempre de forma pontual:

  • Após uma lesão (pancada, torção do joelho ou lesão muscular);
  • Em decorrência de um tratamento pontual (cirurgias, tratamento dentário, outros);
  • Após um treino ou competição com carga excessiva: em algumas situações, o atleta pode “passar do ponto” até mesmo intencionalmente, em decorrência da necessidade de treinos técnicos específicos em uma convocação de curta duração. Ainda que este treino possa ser prejudicial do ponto de vista físico, a necessidade do ponto de vista técnico pode justificar, de forma pontual e não sustentada, um treino com carga excessiva.
  • Após uma competição extenuante, na qual o atleta não irá treinar ou competir nos dias seguintes (situação comum nas corridas de rua ou triathlos, por exemplo).Os anti-inflamatórios podem trazer algum conforto imediato para o atleta e a preocupação com uma recuperação mais imediata é menor. Nestas situações, os anti-inflamatórios devem ser utilizados por não mais do que 2 a 3 dias, deixando o corpo assumir os mecanismos naturais de cura após este período.

Quais os diferentes tipos de anti-inflamatórios?

Os anti-inflamatórios são medicações indicadas para o controle da dor, da inflamação e, em alguns casos, da febre.

Eles agem no organismo inibindo a ação de uma enzima chamada ciclooxigenase (COX), enzima esta que atua aumentando a produção de prostaglandina, responsável pelo surgimento da inflamação.

Existem três formas de ciclooxigenase:

  • COX-1: enzima sempre presente no corpo e responsável por funções fisiológicas importantes.
  • COX-2: enzima que surge apenas como parte de uma resposta inflamatória.
  • COX-3: presente no Sistema Nervoso Central.

Os anti-inflamatórios são classificados em três categorias de acordo com a ação que exercem sobre as enzimas COX-1, COX-2 e COX-3:

  • Anti-inflamatórios não seletivos (Ibuprofeno, Naproxeno): inibem tanto a COX-1 como a COX-2.
  • Anti-inflamatórios seletivos da cox-2 (coxibes): atuam exclusivamente sobre a COX 2.
  • Parcialmente seletivos (meloxican, diclofenaco).

Como escolher o melhor anti-inflamatório?

Não existe um único anti-inflamatório que seja ideal para todos os pacientes, devendo a escolha ser feita caso a caso. O principal fator que deve mover a escolha do anti-inflamatório está relacionado a seus efeitos colaterais.

  • Efeitos gastrointestinais: Ao inibirem a COX-1, os AINEs inibem a produção do muco que protege o estômago, podendo levar à erosão, ulceração, perfuração e hemorragia. Quanto mais seletivo para a cox-2 for o anti-inflamatório, portanto, menor o risco para complicações gastrointestinais.
  • Efeitos cardiovasculares: Embora menos propensos a causar sintomas gastrointestinais, os anti-inflamatórios inibidores seletivos da COX-2 estão associados a um maior risco cardiovascular, incluindo infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Isso acontece porque estas medicações atuam sobre a cascata de coagulação do sangue, levando a um estado pró-trombótico relativo.O risco desses efeitos adversos é maior em pacientes com história prévia de doença cardiovascular ou com fatores de risco para desenvolvê-la. Nesses pacientes, o uso de inibidores da COX-2 deve ser limitado àqueles para os quais não exista alternativa apropriada e, mesmo assim, somente em doses baixas e pelo menor tempo necessário.
  • Efeitos renais: os anti-inflamatórios podem induzir a uma variedade de alterações deletérias na função renal, especialmente em pessoas que já têm a perfusão sanguínea renal diminuída, ou nos que fazem uso prolongado dessas drogas.O comprometimento renal constitui um dos principais responsáveis pelo alto índice de morbimortalidade associada ao uso indiscriminado dos Anti-inflamatórios, estando relacionada principalmente à sua ação inibitória sobre a síntese de prostaglandinas.A prescrição dessa classe de drogas deve ser criteriosa, especialmente para os pacientes considerados de alto risco para desenvolverem lesão renal, como idosos, hipertensos, diabéticos, pacientes hipovolêmicos ou em uso de diuréticos. Essa toxicidade ocorre tanto com os inibidores seletivos quanto com os não-seletivos das cicloxigenases.

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