O Joelho Infantil
O joelho infantil pode apresentar lesões que são características de um esqueleto ainda em desenvolvimento. Neste artigo, abordaremos os seguintes tópicos:
- O alinhamento normal dos joelhos e suas transformações;
- Dores do crescimento;
- Infecções ósseas;
- Apofisite da Tuberosidade Anterior da Tíbia (doença de Osgood-Schlatter);
- Osteocondrite dissecante;
- Lesão do Ligamento Cruzado Anterior;
- Luxação da patela.
Alinhamento dos joelhos
Veja no vídeo as explicações do Dr João Hollanda a respeito de Alinhamento dos Joelhos:
Uma das queixas mais frequentes de pais com crianças pequenas está associada ao mau alinhamento das pernas. O alinhamento varia conforme a idade e também de criança para criança. Na maior parte das vezes, observamos um alinhamento ainda dentro da normalidade para a idade. Ainda assim, uma avaliação médica poderá identificar casos eventuais que fogem dessa normalidade.
No adulto, quando traçamos uma linha que vai do centro do quadril ao centro do tornozelo, ela deve, idealmente, passar pelo centro do joelho. Essa condição caracteriza um alinhamento neutro dos joelhos. Diferentemente, joelhos afastados para fora são denominados “varo”, e joelhos para dentro (em X) chamamos de joelho “valgo”.
Com aproximadamente um ano de idade, quando a criança começa a andar, é normal ela apresentar o alinhamento em varo. Por volta dos 2 anos, o joelho atinge o alinhamento neutro. Em seguida, torna-se valgo, atingindo o máximo de valgo ao redor dos dois anos e meio. Com seis anos, o que se espera é que a criança assuma um alinhamento próximo ao de um joelho adulto.
É importante dizer que essas angulações e prazos não são exatos e variam de criança para criança. Dessa forma, o fato de uma criança ter a perna mais arqueada não é necessariamente um problema. Nesse sentido, o exame ortopédico poderá avaliar:
- Se as pernas são simétricas nos dois lados;
- Se não há nenhuma alteração na forma de andar;
- Se a mobilidade está adequada em todas as articulações;
- Se há alguma outra patologia, como a tíbia vara ou doença de Blount.
Dor do crescimento
Quando um adulto realiza mais atividades físicas do que seu corpo está acostumado ou mesmo preparado, é provável que ele sinta dor muscular no dia seguinte. Muitas vezes, os pais esquecem que o mesmo pode acontecer com as crianças.
Entre os 3 e os 8 anos de idade, é comum uma criança apresentar dor associada a atividades intensas: após um dia no clube, uma festa ou um passeio no parque, em que praticaram mais atividades físicas do que estão habituadas. Em geral, a dor é sentida quando o corpo esfria, ao chegar em casa, por exemplo.
Nesses casos, é frequente a criança apresentar dor noturna e até acordar com dor durante o sono. Ao ser examinada, porém, ela muitas vezes demonstra pouca dor, mobilidade normal, sem edema ou vermelhidão no joelho. O estado geral da criança é bom, ainda que ela possa ficar menos ativa devido à dor.
Na maioria dos casos, a dor regride rapidamente. Muitas vezes, a criança já acorda no dia seguinte sem dor. Não há necessidade de medicação. Basta oferecer um repouso adequado.
Infecções ósseas
Os dois tipos mais comuns de infecção óssea em crianças são a osteomielite e a pioartrite (ou artrite séptica), que apresentamos em detalhes a seguir:
1- Osteomielite
A osteomielite pode surgir em qualquer idade. Nas crianças, é mais comum antes dos cinco anos de idade. Ela pode atingir qualquer osso, mas, é mais frequente nas regiões do fêmur ou da tíbia, próximo ao joelho. Sua origem está ligada, principalmente, à contaminação através do sangue, quando bactérias em um foco distante de infecção (nas vias aéreas, por exemplo) entram no sangue e se fixam no osso.
O sintoma mais comum é a dor, acompanhada da recusa de caminhar ou mover o membro afetado. Em geral, o paciente apresenta febre acima de 38 graus, mal-estar geral e falta de apetite. O exame físico detecta edema, vermelhidão, aumento da temperatura local e limitação da mobilidade articular. Quando há febre e dor em um membro, o médico deve considerar a possibilidade de uma infecção, até que se prove o contrário.
O diagnóstico deve ser confirmado por meio de exames de imagem, como radiografias, ultrassom e ressonância magnética. Em casos iniciais, entre 12 e 48 horas, o tratamento deve envolver repouso e uso de antibióticos. Caso seja confirmada a presença de abscesso ósseo (presença de pus), é necessário realizar uma drenagem cirúrgica, acompanhada do uso de antibióticos.
2- Pioartrite ou artrite séptica
É a infecção que ocorre dentro da articulação. Os locais mais frequentes, em ordem decrescente de incidência, são os seguintes: quadril, joelho, tornozelo, cotovelo e ombro. A pioartrite deve ser considerada uma urgência, uma vez que leva à degradação irreversível da cartilagem articular. Os seguintes critérios de Kocher devem ser utilizados para o diagnóstico:
- Febre acima de 38,5 °C;
- Recusa em deambular (caminhar);
- VHS (velocidade de sedimentação das hemácias) acima de 40 mm;
- Leucocitose acima de 12.000/ml;
Na presença de um desses fatores, a probabilidade da artrite séptica é de 3%. Com dois fatores, as chances aumentam para 40%, e saltam para 93,1% quando três fatores estão presentes. Já quando os quatro fatores são identificados, o médico terá 99,6% de certeza quanto ao diagnóstico.
Ainda assim, se houver dúvida, o médico deverá realizar uma punção articular e, se necessário, uma drenagem e a lavagem cirúrgica da articulação.
Apofisite da tuberosidade anterior da tíbia (doença de Osgood-Schlatter)
Veja no vídeo as explicações do Dr João Hollanda a respeito da doença de Osgood-Schlatter:
Apofisite é a inflamação das apófises, que são proeminências ósseas no lugar em que os principais tendões se fixam. No joelho, ela acomete, principalmente, a tuberosidade da tíbia, onde se prende o tendão patelar. Nesses casos, a apofisite é denominada apofisite de Osgood-Schlatter.
A doença é mais frequente em crianças, principalmente os meninos, que praticam bastante atividade física durante o período do estirão do crescimento. Nesse período, ocorre um aumento na força de tração dos tendões sobre as apófises, devido ao ganho de peso e de força. Além disso, a intensa atividade metabólica faz com que o suprimento sanguíneo seja insuficiente para a apófise.
O paciente apresenta dor localizada sobre as apófises, alternando períodos de melhora e piora. A doença costuma regredir após a desaceleração do crescimento ósseo. Pode ocorrer aumento de volume sobre a apófise acometida, que se torna mais sobressalente. Comparando radiografias do joelho doente e do joelho não atingido, é possível observar a fragmentação da tuberosidade anterior da tíbia.
O tratamento é clínico, com correção de eventuais desequilíbrios musculares e o afastamento temporário das atividades de impacto. Nos períodos de remissão da dor, as atividades podem ser retomadas. A maioria dos pacientes apresenta regressão completa da dor com a desaceleração do crescimento ósseo. Eventualmente, no entanto, a tuberosidade anterior da tíbia pode permanecer mais proeminente em um dos dois joelhos.
Osteocondrite dissecante
A osteocondrite dissecante é uma doença de causa desconhecida, caracterizada pela necrose focal do osso subcondral (osso logo abaixo da cartilagem articular). Ela causa um quadro de dor e inchaço do joelho. É mais comum em adolescentes e adultos jovens do sexo masculino. A doença acomete, principalmente, o joelho, embora possa também afetar outras articulações, como o cotovelo e o tornozelo.
A osteocondrite dissecante pode ser subdividida em dois grupos:
- Osteocondrite dissecante juvenil: acomete pacientes com a placa de crescimento aberta. Em geral, tem melhor prognóstico e tende a se resolver com o tratamento não cirúrgico;
- Osteocondrite dissecante do adulto: acomete pacientes com a placa de crescimento fechada e, frequentemente, exige intervenção cirúrgica.
O tratamento não cirúrgico pode incluir o uso de anti-inflamatórios, fisioterapia, muletas com apoio parcial do peso ou imobilizadores, além do afastamento das atividades de impacto. O tratamento dura, em média, de 3 a 6 meses, aproximadamente.
O tratamento cirúrgico é indicado quando existem sinais de instabilidade do fragmento. Quando o fragmento osteocondral está ainda em boas condições, deve-se proceder com os tratamentos de reparação e a fixação do fragmento. Caso o fragmento não esteja mais viável, ele deve ser retirado. Além disso, devem ser realizados alguns procedimentos que visam a substituição da cartilagem (transplante osteocondral) ou a formação de uma nova cartilagem (microfratura).
Lesão do Ligamento Cruzado Anterior
A lesão do Lesões do Ligamento Cruzado Anterior(LCA) é a indicação cirúrgica mais frequente em atletas. A incidência em crianças é menor, mas tem crescido devido ao aumento das atividades competitivas e da intensidade das atividades físicas na infância.
As lesões do Ligamento Cruzado Anterior já foram discutidas em outro artigo.
Veja no vídeo as explicações do Dr João Hollanda a respeito:
Abordaremos as particularidades nas crianças, que podem sofrer dois tipos de lesões:
Avulsão óssea: ao invés de o ligamento se romper, ele arranca um fragmento de osso da espinha tibial, que é o local onde ele se prende. 80% dessas lesões ocorrem em crianças com menos de 12 anos que apresentam a fise (ou placa) de crescimento ainda bem aberta. Nesses casos, a fise é justamente o ponto mais frágil do conjunto ligamento-osso;
Ruptura completa ou parcial do LCA: em 90% dos casos, ocorre em adolescentes com mais de 12 anos, quando a fise de crescimento já está em processo de fechamento e, portanto, é mais resistente ao trauma. Assim, o ligamento torna-se o ponto mais frágil do conjunto ligamento-osso.
As avulsões ósseas podem ser completas ou incompletas. Nas fraturas incompletas, muitas vezes é possível manter o osso no lugar por meio da manipulação do joelho e, então, o tratamento pode ocorrer por meio da imobilização. Mas, nas fraturas incompletas em que não se consegue recolocar o fragmento fraturado no lugar e, também, nos casos de fraturas completas, a cirurgia deve ser indicada.
O tratamento das lesões do LCA deve ser decidido caso a caso, entre o médico e os familiares do paciente. Uma vez rompido, o Ligamento Cruzado Anterior não irá mais cicatrizar, deixando o paciente com o joelho instável. Essa condição facilita a ocorrência de novos entorses e, por isso, aumenta o risco de lesões secundárias nos meniscos e na cartilagem.
O resultado do tratamento é um tanto incerto. Adiar a cirurgia até o fechamento das placas de crescimento pode ser arriscado. Por outro lado, operar o joelho com a placa de crescimento ainda aberta pode, em teoria, danificar a área de crescimento do osso e resultar em deformidades.
Na prática, porém, diversos estudos mostram que o risco de a cirurgia levar a deformidades é baixo, muito menor do que as complicações de uma lesão não operada. No caso de crianças muito jovens, que ainda não entraram no estirão do crescimento, existem algumas técnicas cirúrgicas que evitam a violação da fise de crescimento.
Luxação da patela
A luxação da patela ocorre, principalmente, a partir dos 13 anos e é mais frequente em mulheres. Pessoas com luxação da patela costumam apresentar características anatômicas que aumentam a predisposição ao problema, e isso é ainda mais evidente nas crianças.
Em pacientes com o esqueleto imaturo, o risco de recorrência após a primeira luxação é de 70%. Em adultos, o risco é menor, ao redor de 40%. Pacientes que já tenham tido mais de um episódio de luxação devem ser operados, mas a decisão entre cirurgia imediata ou ao fim do crescimento ósseo deve ser tomada caso a caso, com base em exames de imagem e na história clínica do paciente.
Alguns tipos de procedimentos não devem ser feitos em pacientes com a placa de crescimento ainda aberta. Outros, por sua vez, podem ser realizados sem receios.